O arquiteto Justino Morais, natural de Lisboa, constitui uma figura singular no panorama arquitetónico português da segunda metade do século XX. A habitação dita “económica” ou “social” — hoje denominada Habitação a Custos Controlados (HCC) — é a área a que mais se dedica, tendo projetado, ao longo dos seus mais de cinquenta anos de trabalho, mais de 7000 fogos por todo o país, tendo a maioria sido construída. No entanto, a sua obra transcende a sua actividade nesta área, incluindo numerosos edifícios projetados como profissional liberal: emissores de rádio, postos clínicos, edifícios de escritórios, edifícios religiosos, habitações unifamiliares, edifícios de apartamentos, edifícios escolares, entre outros. Sempre atento à integração dos seus conjuntos na envolvente, Justino Morais deu sempre bastante importância aos estudos e aos arranjos urbanos nos espaços que planeava, tendo inclusive realizado alguns planos de urbanização para várias zonas de Portugal continental.
Nos anos de 1950, após a sua formação como arquiteto na Escola de Belas Artes de Lisboa (ESBAL), estagia com Raul Rodrigues Lima (1909-1980) e executa alguns edifícios em colaboração com o arquiteto Jácome da Costa.. Mas é em 1960 que podemos situar dois projetos que marcam esta fase inicial da obra de Justino Morais: o edifício-sede da TAP na Rua Conde de Redondo, Lisboa — em colaboração com o arquiteto João Braula Reis (1927-1989) — e as (354) Casas de Renda Económica, nos Olivais Sul, Lisboa, promovidas pelo Gabinete Técnico de Habitação da Câmara Municipal de Lisboa (GTH) — em colaboração com os arquitetos Vasco Croft de Moura e Joaquim Cadima. Ambos os projetos serão publicados na revista Arquitectura, nos números 67 (abril de 1960) e 110 (julho/agosto de 1969), uma edição especialmente dedicada à habitação económica.
Ao longo dos anos de 1960, Justino Morais trabalha como arquiteto regional de Lisboa, na Federação de Caixas de Previdência (FCP) – Habitações Económicas (HE), intervindo nos distritos de Lisboa e de Setúbal. Para além de diversos conjuntos de habitação coletiva — em Lisboa, em Setúbal, em Sintra, no Barreiro, entre outros —, que totalizam mais de 1200 fogos, Justino Morais realiza ainda vários projetos de habitações individuais para beneficiários da FCP. Os planos urbanos são complementados por equipamento urbano, por vezes também executado pelo ateliê do arquiteto, como escolas primárias e pré-primárias, jardins infantis e creches. Neste período, projeta igualmente, diversos empreendimentos de habitação de férias e fins de semana — conjuntos de apartamentos e moradias unifamiliares isoladas e em pequenos conjuntos no Estoril e em Sintra. Estes últimos — na zona da Praia das Maçãs — são marcados por uma grande coerência e por subtis variações ao nível da tipologia mínima, mas extremamente eficiente, da casa de férias.
É também nesta década que Justino Morais conceptualiza um “sistema de unidades tipológicas e morfológicas coordenadas modularmente”, que abreviará por “sistema modular”. Trata-se de um método projetual que recorre à conjugação de elementos-tipo polivalentes, permitindo uma total adaptação das tipologias ao programa habitacional, assim como uma grande flexibilidade e variação em planta e alçado que pretendia contrariar a usual uniformidade dos conjuntos de habitação social. Este método será aplicado em diversos projetos de habitação económica — como na Baixa da Banheira, em Évora, em Beja e em Almada (Plano Integrado de Almada: Monte da Caparica, Zona do Raposo), tendo sido alvo de um aperfeiçoamento continuado por parte do seu autor — o que incluiu, em 1977, o estudo de Unidades de Habitação Tipo, analisadas pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC).
Ao longo dos anos de 1970 e de 1980, Justino Morais continua ativo na área da habitação económica, através do Fundo de Fomento da Habitação (FFH), de algumas cooperativas e de contratos com diversas autarquias. Projeta para Lisboa (Alto dos Moinhos, 1979; Caselas, 1986), Azambuja (Vila Nova da Rainha, 1979), Cartaxo (1980), Setúbal (Terrôa, 1981), Oeiras (Laveiras, Caxias, 1987) e Almada (Costa da Caparica, 1989). Em 1981, por convite do Gabinete da Área de Sines, colabora com os arquitetos Alcino Soutinho (1930-2013), Adalberto Dias (n. 1953), Domingos Tavares (n. 1939) e Álvaro Siza (n. 1933) na realização do Plano de Pormenor/Urbanização do Centro Urbano de Santo André. Nos anos de 1990, a sua obra mais significativa será o edifício do Centro Português de Design (1993-1996, em colaboração com o arquiteto Pedro Nunes) — integrado no Polo Tecnológico de Lisboa, Lumiar —, Menção Honrosa do Prémio Valmor e Municipal de Arquitetura de 2009.
Para além da sua ação enquanto projetista, participou ativamente em vários processos ligados à classe dos arquitetos, tendo sido, em 1981 e em 1984, vogal da Comissão de Revisão do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) como representante da Associação dos Arquitetos Portugueses (AAP) e, em 1982, presidente do Conselho Diretivo Nacional (CND) da AAP. Como especialista convidado, participou, em 1984, em cursos de pós-graduação em Estudos Urbanos e Habitação do Departamento de Arquitetura da ESBAL e, em 1985, foi orientador de Assistente de Investigação (Sector Edifícios) do LNEC. Para além da menção honrosa, em 2009, Justino Morais foi ainda premiado, em 1979, no concurso de “Concepção de Unidades de Habitação”e, em 1987, no “Concurso Público para Apresentação de Soluções de Habitação Evolutiva”, ambos promovidos pelo Instituto Nacional da Habitação (INH), e com o Prémio INH de qualidade de projecto e construção pelo Conjunto Habitacional de Caselas, Lisboa (1989). Encontram-se, ainda, no seu arquivo pessoal, dezenas de projetos para moradias particulares.
A obra arquitetónica de Justino Morais, devido à sua extensão, qualidade e carácter único, constitui o resultado de um longo e rigoroso processo de pesquisa, com especial enfoque nas questões da “habitação para o maior número”. Acreditamos estar perante um ator ímpar num importante capítulo da história da arquitetura portuguesa: o momento de transição e da estabilização da democracia. A obra de Justino Morais é um reflexo dos desafios com que os arquitetos se depararam neste período, nomeadamente no que se refere à escassez de oferta de habitação. A metodologia de trabalho deste arquiteto — cruzando a extrema atenção dada à organização funcional, a criação de um ambiente urbano qualificado e o controlo dos custos alcançado através da seriação dos componentes construtivos — permitia uma resposta rápida e eficaz às solicitações da habitação dita “social”. Para além disso, mesmo não comprometendo a qualidade arquitetónica que desejava alcançar, interessava ao arquiteto Justino Morais um diálogo efetivo quer com os futuros moradores, quer com os promotores e restantes projetistas envolvidos no processo. A formulação e aplicação prática do “sistema modular” — caso extremamente original no panorama arquitetónico português —, com resultados visíveis e analisáveis, é também uma das razões por que cremos ser indispensável a conservação e o estudo futuro da obra de Justino Morais.
O referido conjunto documental, que se encontra depositado nas instalações do Forte de Sacavém, constitui um acervo de relevante interesse público, quer enquanto fundamento da memória pessoal e da atividade criadora daquele arquiteto, quer como testemunho da intervenção em património arquitetónico, em espaços públicos e equipamentos coletivos do país.
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