Solar dos Montalvões

IPA.00035397
Portugal, Vila Real, Chaves, Outeiro Seco
 
Casa nobre de planta quadrangular irregular, com pátio central, composta por alas construídas em diferentes épocas do séc. 17 e 18, resultando numa planimetria e volumetria irregular, com nítidas diferenças de tratamento e má articulação espacial. O núcleo mais antigo corresponde, provavelmente, ao corpo da cozinha, a sul, a que se acrescentou, na primeira metade do séc. 18, a ala este e norte, dando origem a casa de planta em U. Este foi fechado pela ala oeste, com zona residencial, já construída em 1762, data em que o proprietário pede licença para construir a capela, no ângulo sudoeste, só concluída pela viúva, em 1784. A ala poente transforma-se assim na fachada principal, com ala residencial tardo-barroca, evoluindo em dois pisos e mezanino superior, com pilastras marcando três panos, rasgados por vãos abatidos, o central com portal, sobreposto por brasão, e janela de sacada e os laterais com janelas de peitoril, sendo o mezanino aberto por óculos. O portal brasonado acede ao pátio central, o piso térreo era destinado a lojas e o segundo aos salões nobres, não existindo, contudo, escada interior de interligação ou exterior de acesso a esse espaço mais público da casa, o que exigia ser acedido a partir da cozinha ou pela zona dos quartos, atravessando toda a parte privada. A capela tem já linguagem rococó e maior riqueza decorativa, com a fachada terminada em frontão de lances, e portal de verga reta entre duplas pilastras, suportando o entablamento e frontão curvo interrompido por vão. No interior, possuía retábulo em talha policroma e dourada, de planta côncava e três eixos, de estilo rococó, com influência da Escola de Braga. As restantes alas são mais irregulares e mais baixas, com vãos retilíneos ou abatidos, possuindo escadas de acesso no topo da ala norte e na ala sul, nesta por sul e pelo pátio, onde a guarda é decorada com aletas. No interior, o piso térreo era destinado a lojas e o andar nobre a habitação, com tetos de apainelados de madeira, e cozinha. O vão decorado e datado de 1782, aberto virado ao pátio na ala oeste, pertenceria a uma janela de varandim ou de sacada ou a um portal, à frente do qual não se construiu a escada.
 
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Registo

 
Edifício e estrutura  Edifício  Residencial senhorial  Casa nobre  Casa nobre  Tipo planta quadrangular com pátio central

Descrição

Planta quadrangular irregular, composta por vários corpos, articulados à volta de um pátio, com volumes escalonados, o principal, virado a oeste e mais alto, com cobertura em telhados de quatro águas na ala residencial e de duas na capela, tal como em dois corpos da ala sul, rematados em beirada simples, e os restantes já sem cobertura. Fachada principal virada a poente, com ala residencial de dois pisos e mezanino superior, e capela disposta no extremo direito. A ala residencial organiza-se em três panos, definidos por pilastras, coroadas por pináculos tipo pera, sobre plintos paralelepipédicos, com faixa pintada de azul e remate em friso e dupla cornija. No pano central rasga-se um eixo de vãos, formado por portal em arco abatido, com moldura encimada por friso formando espaldar recortado contendo brasão de família *1, janela de peitoril, do mesmo perfil, com moldura rematada em cornija abatida e peitoril saliente com borlas, sobre a qual se desenvolve silhar de cantaria que se prolonga até ao óculo circular, rasgado junto ao friso do remate. Os panos laterais são semelhantes, abrindo-se no piso térreo janela de arco abatido, gradeada, no andar nobre duas janelas de peitoril, de arco abatido, com moldura rematada em cornija e caixilharia de duas folhas; no mezanino abrem-se dois óculos circulares com moldura facetada e avental em ângulo. A capela é definida por pilastras com capitéis de inspiração coríntia, sustentando entablamento de múltiplos frisos, um deles convexo, e remate em frontão de lances, coroado por cruz latina biselada e braços terminados em botão, tendo o tímpano rasgado por vão retangular e pequeno nicho, em arco de volta perfeita sobre pilastras, interiormente concheado e desnudo. É rasgada por portal de verga reta, entre duplas pilastras, que suportam entablamento, com friso convexo, e frontão curvo interrompido, por vão retilíneo, de moldura envolvida por volutas, criando avental com concheados inferiores e sobreposta por cartela recortada e volutada superior, com inscrição; sobre o frontão dispõem-se ainda lateralmente dois fogaréus. Fachada lateral esquerda com dois corpos, o mais alto correspondendo ao corpo poente, rasgado, no piso térreo, por fresta descentrada e, no andar nobre e mezanino, por vãos iguais aos da frontaria. O segundo corpo, em alvenaria de pedra aparente, é mais baixo, termina em friso e cornija e é rasgado no piso térreo, por pequenos vãos a diferentes níveis, e, no segundo piso, por janelas de peitoril, de verga reta. Fachada lateral direita, virada a sul, de três corpos, sendo o da esquerda da capela, rebocada e pintada, terminada em múltiplos frisos, um deles convexo, e cornija, rasgada por pequena janela quadrangular junto à pilastra anterior, e porta de verga reta encimada por janela retangular na zona do retábulo-mor, todas de molduras simples. Os dois corpos seguintes são em alvenaria de pedra aparente; o central, da mesma altura da capela, é rasgado, no piso térreo, por portal e, no piso superior, por janela de sacada, sobre três mísulas, já sem guarda e ladeada por duas vaseiras, e um óculo quadrilobado num plano inferior. No corpo direito, o da cozinha, abre-se, no piso térreo, porta de verga reta e janela jacente, gradeada e, no segundo, uma janela de peitoril, de verga abatida, portal de igual modinatura, precedido por escada de dois lanços, com guarda plena de cantaria, protegido por alpendre sobre pilares, e ainda um óculo quadrilobado; sobre este corpo, eleva-se a chaminé da lareira. A fachada posterior possui igualmente três corpos, o da esquerda (da cozinha), rasgado superiormente por janela de peitoril de arco abatido, o central e o da direita, este mais recuado, por uma porta ao nível do piso térreo e janelas de peitoril mais pequenas, de arco abatido, ao nível do segundo piso; o corpo da direita tem ainda escada de acesso ao andar nobre, com patamar protegido por alpendre assente em duas colunas, sobre a guarda plena. Pátio central acedido a partir do portal brasonado da ala poente, no término do qual tem arco abatido. A fachada do pátio virada a norte possui escada de acesso à cozinha, com guarda plena de cantaria e coluna de arranque volutada, exteriormente decorada com elementos vegetalistas, e sendo decorada exteriormente, ao nível do patamar, por volutas relevadas. No ângulo sudoeste da ala norte, abre-se, ao nível do andar nobre, portal de verga abatida, com moldura exteriormente recortada, com elementos volutados e concheados, que deveria ter acesso pela segunda escadaria, que não chegou a ser construída. No INTERIOR, muito arruinado, o andar nobre apresenta as paredes rebocadas e pintadas e pavimentos de madeira. Algumas salas têm restos de antigos tetos de apainelados de madeira, e lareira, uma delas definida por pilastras sustentando mísulas com friso convexo intermédio e cornija *2. A CAPELA tem pavimento de cantaria, paredes rebocadas e pintadas de branco, terminadas em múltiplos frisos e cornija, sobre o qual assenta a cobertura, em gamela. Possui coro-alto de madeira, com porta de ligação à casa, especificamente à sala do "museu", no lado do Evangelho, e janela conversadeira, no da Epístola. Inferiormente dispõe-se, no lado do Evangelho, pia de água benta embutida, hemisférica e exteriormente gomeada, encimada por reservatório interiormente concheado; sobre supedâneo de dois degraus, possui, de cada lado, portas de verga reta encimadas por janelas e dispõe-se o que resta da estrutura do retábulo-mor, em talha policroma, de corpo côncavo e três eixos *3.

Acessos

Outeiro Seco, Rua de Santa Rita

Protecção

Inexistente

Enquadramento

Urbano, isolado, adaptado ao declive do terreno. Implanta-se no limite norte da povoação, com a fachada principal formando frente de rua, sem elemento separador, as fachadas laterais e posterior viradas à propriedade, vedadas por alto muro em alvenaria de pedra. Nas imediações, a este, ergue-se o edifício da Junta de Freguesia.

Descrição Complementar

Sobre o portal principal existe brasão, dos Álvares Ferreira, com escudo partido, tendo no I quartel as armas dos Ferreiras, de vermelho, com quatro faixas de ouro. A cartela sobre a janela da capela tem a inscrição: "SALVATOR MUNDI DEUS MISERE NOBIS".

Utilização Inicial

Residencial: casa nobre

Utilização Actual

Devoluto

Propriedade

Pública: municipal

Afectação

Sem afetação

Época Construção

Séc. 17 / 18

Arquitecto / Construtor / Autor

Desconhecido.

Cronologia

Séc. 17, 2ª metade - época provável da construção de um primeiro núcleo do solar, talvez a ala sul, correspondente à antiga cozinha; séc. 18 - segundo José Timóteo Montalvão Machado, no livro "Os Montalvões", o solar é construído ou ampliado por um membro da família Álvares Ferreira, nomeadamente o capitão de cavalos José Álvares Ferreira, como parece atestar a existência de várias e extensas cavalariças no piso térreo das alas nascente e norte da casa; destas obras, teria resultado uma casa de planta em U; 1738, 30 julho - data da morte de José Álvares Ferreira; 1746 - casamento do filho do capitão de cavalos, Miguel Álvares Ferreira, com Antónia Maria de Montalvão Morais (1732-1809), então com 14 anos; 1761 - 1762 - Miguel Álvares Ferreira requer autorização para erigir a capela da casa, sob invocação de São Salvador do Mundo, em cumprimento de um voto de sua mãe, Maria Sobrinho, por quem se pede uma missa anual perpétua; 1762 - documentos descrevem o corpo poente do solar, com a fachada principal, já concluída: "...as cazas do doante ... confinão e correm com duas ruas publicas ambas com cunaes, solio e frizio e cornija Huma pello norte, e outra que corre pello poente com estrada mais publica para o sul adonde tem hum arco bem feito e bastantemente alto, e no meyo remate huma pedra de armas das asendesias do doante e por este arco se entra para o patteo das cazas, e nesta parte que pega acima das ao patteo e he munto capaz, e corre para o Sul pretende fazer a Cappella com porta para o poente"; pretendia-se construir uma segunda escada no pátio, de acesso direto a esta ala oeste, chegando-se a encomendar a cantaria para a obra, mas acabou por não ser concluída; 1779 - data da morte de Miguel Álvares Ferreira; 1782 - data inscrita na verga do portal da ala oeste, aberto ao nível do andar nobre, virado ao pátio de honra, sem acesso direito; 1784 - conclusão das obras da capela; 29 abril - a viúva, Antónia Maria de Montalvão Morais, pede provisão para se benzer e consagrar a capela, a "qual se acha perfeitamente acabada"; 1790 - encomenda do sino da capela *4; 1809 - data da morte de Antónia Maria de Montalvão Morais; séc. 19 - execução de algumas obras de adaptação na casa; o padre José Rodrigues Liberal Sampaio (1846 - 1935), que viveu maritalmente com Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão, jurista e de grande cultura, sócio da Academia das Ciências e da Sociedade Portuguesa de Arqueólogos, constitui o denominado "museu" numa das salas da ala oeste; José Rodrigues Liberal Sampaio correspondia-se com personagens iminentes da cultura da época, como o Abade Baçal ou o arqueólogo Mendes Correia, tendo recebido no solar o arqueólogo José Leite de Vasconcelos; 1902 - data da morte e do sepultamento na capela de Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão; 1910 - após a implantação da República, a família monárquica mantém hasteada a bandeira azul e branca; 1912 - por aqui passam os militares da segunda incursão de Paiva Couceiro que, em fuga para Espanha, abandonam muitas armas na quinta, sendo algumas delas recolhidas no "museu" da família; a casa é revistada por tropas republicanas e José Rodrigues Liberal Sampaio, monárquico, mantém-se escondido vários dias no solar; 1930, década - após a visita do Presidente da República Carmona à casa, a bandeira é recolhida no denominado "museu"; 1965, 24 maio - data da morte de José Maria Ferreira Montalvão, filho de Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão e do padre José Rodrigues Liberal Sampaio, o qual, como grande proprietário pagava a maior contribuição autárquica do distrito de Vila Real; depois da sua morte, a casa fica desocupada e entra em processo de decadência e ruína; 1986 - venda da casa pelos proprietários à Câmara Municipal de Chaves; as imagens da capela dão entrada no Museu Municipal de Chaves; a biblioteca, com cerca de 1900 títulos, é vendida a um alfarrabista de Lisboa, conservando-se apenas o catálogo da mesma, e o espólio do "museu" disperso pelos vários membros da família.

Dados Técnicos

Sistema estrutural de paredes portantes.

Materiais

Estrutura em alvenaria de pedra, rebocada e pintada ou aparente; pilastras, molduras dos vãos, frisos, cornijas, pináculos e cruz em cantaria de granito; restos do pavimento em madeira; caixilharia e portadas em madeira pintada; elementos de talha policroma e dourada; cobertura de telha.

Bibliografia

AIRES, Firmino - "O Solar dos Montalvões". In Outeiro Seco. Revista da Casa de Cultura de Outeiro Seco, novembro de 1990; Luis, Velharias. Outeiro Seco - Solar dos Montalvões, 23 outubro 2009, (http://velhariasdoluis.blogspot.pt/2009/10/outeiro-seco.html), [consultado em 14 janeiro 2015]; MACHADO, J. T. Montalvão - Os Montalvões. Vila Nova de Famalicão: Tip. Minerva, 1948; Solar da família Montalvão - Outeiro Seco - Chaves, (http://ruinarte.blogspot.pt/2014/08/solar-da-familia-montalvao-outeiro-seco.html), [consultado em 14 janeiro 2015].

Documentação Gráfica

IHRU: SIPA; antigo proprietário

Documentação Fotográfica

IHRU: SIPA

Documentação Administrativa

Arquivo Distrital de Braga

Intervenção Realizada

Observações

*1 - Sobre o portal brasonado esteve colocada uma aldraba, com a forma de um leão (talvez um mascarão) que, segundo os antigos proprietários, dava direito de asilo, ou seja, os delinquentes que se agarrassem a ela ficavam sob a proteção dos proprietários da casa. *2 - Ao nível do segundo piso, localiza-se na ala sul a cozinha, com grande chaminé, na ala este a sala de jantar, uma sala polivalente e dois quartos, todos com tetos de masseira, e na ala norte os quartos. A distribuição espacial fazia-se por meio de corredor em L invertido, desenvolvido ao centro, na ala este, e lateralmente, na ala norte, onde se vira ao pátio e tem ligação à ala oeste e a varanda alpendrada disposta a sul dessa ala. Na ala oeste localizavam-se a biblioteca, sala de visitas e o denominado "museu", ou seja, um gabinete de curiosidades, formado por objetos arqueológicos, etnográficos e coleções de filatelia e numismática. *3 - O retábulo-mor da capela era de talha pintada a marmoreados fingidos e dourada, apresentava corpo de perfil côncavo e três eixos, definidos por duas pilastras exteriores, de fuste almofadado e capitéis de inspiração coríntia, e duas colunas interiores, inferiormente ornadas de elementos vegetalistas, assentes em dupla ordem de mísulas, dispostas de ângulo, e com capitéis de inspiração coríntia. No eixo central abre-se tribuna, em arco, interiormente pintado com flores, com cobertura em falsa abóbada de berço, formando apainelados, e albergando trono, de vários degraus recortados, decorados com elementos volutados e vegetalistas, encimado por resplendor. Nos eixos laterais surgem apainelados côncavos, rematados em volutados encimados por concha, e com mísulas. A estrutura remata em espaldar recortado, definido por cornija, sobreposto por concheados, cartelas, elementos vegetalistas e ampla cartela central. Banco com portas de verga abatida de acesso à tribuna e altar paralelepipédico, com frontal decorado de motivos vegetalistas; sotobanco integrando sacrário central, com porta contendo cruz ladeada por cartela recortada. *4 - O sino da capela encontra-se atualmente na Capela de Nossa Senhora do Rosário, na povoação de Outeiro Seco.

Autor e Data

Paula Noé 2015

Actualização

 
 
 
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